Palestra sobre conhecimento e complexidade

Para quem se interessa por cognição, aprendizagem e a pesquisa científica, o prof. Jorge Albuquerque de Oliveira fala sobre questões envolvendo tipos de conhecimento como a ciência, arte, estética, ética e mais... sob uma visão da complexidade e semiótica peirceana em palestra no planetário de São Paulo.

Boas reflexões para que se interesa sobre as tecnologias da inteligência tais como games, tecnologias na educação, objetos de aprendizagem, ambientes virtuais de aprendizagem, design e arte digital, dentre outras.

Criticismo e Fenomenalismo contextualizados na tecnologia aplicada à educação

Rascunhando sobre alguns aspectos da tecnologia aplicada na educação para o guia de estudos da disciplina de Tecnologias na educação do curso de pós em docência no ensino superior do UNIS-MG, achei importante a abordagem do Criticismo e Fenomenalismo contextualizados na tecnologia aplicada à educação:

O criticismo (do alemão Kritizismusé) é uma visão estabelecida pelo filósofo alemão Immanuel Kant, a partir das críticas ao empirismo (objetivista) e ao racionalismo (subjetivista). Nessa concepção não se pode conhecer as coisas em si, mas somente aquilo que está no campo fenomenológico. Kant entende que o que faz a ligação entre a experiência, frente aos fenômenos, e nossas conclusões é a crítica.

Sob a visão do criticismo o sujeito entende que a pedra esquenta sob a luz do sol somente quando ele coloca a pedra exposta ao sol e mede sua temperatura. Então depois de fazer essas duas ações ele conclui que a pedra esquenta PORQUE é colocada sob a luz do sol. Contudo o conhecimento só acontece, nessa perspectiva, através da inclusão do "PORQUE" ligando a experiência ao fenômeno, ou seja, o porque aqui é o ponto que evidencia a crítica.

Assim podemos entender que o sujeito conhece o objeto através da relação entre o próprio sujeito e o objeto. Contudo, o conhecimento sob essa visão é entendido sob a interação mútua entre objeto e sujeito. Essa forma de entender o como conhecemos as coisas nos direciona para o que chamamos de interacionismo.

O interacionismo, representado por Jean Piaget (1896-1980) e o Lev Vygotsky (1896-1934) entende que o conhecimento está na relação entre o aprendente com o objeto em uma estrutura bipolar, cujos elementos são inseparáveis. Não há sujeito sem objeto e não há objeto que possa ser constituído sem a ação do sujeito. "O sujeito não está simplesmente situado no mundo, mas o meio entra como parte integrante do próprio sujeito, como matéria e contudo cognitivo e histórico". (MATUI, 1995)

Estamos falando tanto sobre objeto, mas afinal de contas o que é mesmo um objeto?

O filósofo da informação Pierre Lévy esclarece de forma bem interessante o que é um objeto. Ele entende que esse é algo ontropológico, ou seja:

[...] objeto-ligação ou mediador de inteligência coletiva. Esse objeto deve ser o mesmo para todos. Mas, ao mesmo tempo, é diferente para cada um, no sentido em que cada um se encontra, em relação a ele, numa posição diferente. O objeto marca ou traça as relações mantidas pelos indivíduos uns frente aos outros. Ele circula, física ou metaforicamente, entre os membros do grupo. Encontra-se, simultânea ou alternadamente, nas mãos de todos. Por esse motivo, cada um pode inscrever nele sua ação, sua contribuição, seu impulso ou seua ensergia. O objeto permite não apenas levar o todo até o indivíduo mas também implicar o indivíduo no todo.

Dessa forma, essa interação mútua entre pessoas e objetos não pode ser vista, de forma alguma, sem a interação social, pois um objeto não pode ser assim entendido se for mantido por uma só pessoa, mas sim na relação entre pessoas.


Para ampliar seus conceitos sobre a contituição do objeto e essa dentro da relação social sugere-se a leitura do capítulo 8 do livro "O que é virtual?" de Pierre Lévy" (LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p. (Coleção TRANS) e que pode ser acessado parcialmente na janela abaixo:


Nessa perspectiva podemos entender que a aprendizagem realmente acontece no despertar de processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer quando o indivíduo interage com sua realidade e as pessoas também imersas nessa (OLIVEIRA, 1992). Daí a importância das relações sócio-culturais, como produto dessas relações, na construção dos conhecimentos no sujeito, pelo sujeito. Essa auto construção nos remete, entretanto, à concepção de Piaget no sentido de entender que "na verdade, o homem produz a si próprio ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o meio e com os outros homens" (WACHOWICZ apud MATUÍ, 1995, p. 62)


Para explicar o processo de aprendizagem por sobre a interação, Vygotsky cunhou os conceitos:


  • Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - que se refere à toda a atividade e/ou conhecimento que o indivíduo ainda não possui, mas que potencialmente seja capaz de saber/fazer.
  • Zona de desenvolvimeto real - se refere a tudo aquilo que o indivíduo é capaz de realizar, com a sustentação de saberes e fazeres outros que embasem esse realizar, mas sem a interferência de outras pessoas.
  • Zona de desenvolvimento proximal - é efetivamente a distância entre o que o sujeito sabe e/ou faz sem a interferência de outras pessoas e aquilo que (o sujeito) é capaz de desenvolver com o auxílio de outros.


Contudo, vemos que a Zona de desenvolvimento proximal se mostra como fundamental para a construção do conhecimento, pois prevê que o ser humano se apresenta como um ser histórico que, através de atividades, intervém no meio ambiente, cria cultura e desenvolve-se. Pois é pelo trabalho coletivo que o homem estabelece relações sociais com outros e cria instrumentos (físicos e psíquicos) que facilitam a transformação do meio em benefício de sua sobrevivência (VYGOTSKY, 1991).

Os recursos tecnológicos, como nas tendências progressistas que mais se adequam à concepção interacionista são as ferramentas tecnológicas de e construção, comunicação e compartilhamento de documentos inerentes à World Wide Web Os documentos podem estar na forma de vídeos, sons,hipertextose figuras. Para visualizar a informação, pode-se usar umprograma de computadorchamadonavegadorpara descarregar informações (chamadas "documentos" ou "páginas") deservidores web(ou "sítios") e mostrá-los na tela do usuário. O usuário pode então seguir ashiperligaçõesna página para outros documentos ou mesmo enviar informações de volta para o servidor para interagir com ele. O ato de seguir hiperligações é, comumente, chamado de "navegar" ou "surfar"como o:
  • Fórum de discussão via Internet (semelhantes às discussões realizadas em comunidades de sites de relacionamentos tipo o Orkut e Facebook, porém com assuntos específicos propostos e mediados por professores)
  • Chat (bate-papo em tempo real utilizando mensagens textuais instantâneas tipo MSN, ICQ, Google talk) via Internet
  • Confecção de textos em grupo utilizando ferramentas de edição via Internet
  • Wiki (ferramenta on-line de construção de uma espécie de mini enciclopédia específica sobre assuntos específicos)
  • Blog em grupo (espaço colaborativo onde cada aluno publica seus textos, fotos, vídeos, áudios, dentre outros, e recebe e responde comentários de seus colegas)
  • Twitter (micro-blog limitado a postagens de 140 caracteres, onde os alunos postam suas idéias e comentários sobre vídeos, áudios, artigos, sites que se relacionam com os assuntos estudados)

Pode-se visualizar que nossa cognição, muito além dos aspectos bio e fisiológico, está direcionada para a construção dos conhecimentos em um contexto complexo e sistêmico e que nos direciona para a interação, pois segundo Maturana e Varlela (1995) a "vida é o contínuo desafio de enfrentar e aprender a cada nova circunstância. Viver é aprender, Enquanto houver interação haverá vida."

Então, pode-se concluir que a aprendizagem é algo que está intimamente ligada à relação entre pessoas. Essa relação nos remete à conceitos muito utilizados, nos meios tecnológicos de comunicação e informação, nos dias de hoje.

Você já deve ter observado que os termos interatividade, interação, colaboração e cooperação têm sido utilizados em vários meios de comunicação na atualidade como sinônimos e para adjetivar muitos recursos tecnológicos, programas de tv e rádio e até a nossa época: tv interativa, rádio interativa, educação interativa, portal interativo, era da interação, sociedade da cooperação, era da colaboração, celular interativo, tecnologia interativa...

Com toda essa presença em nossa realidade, há, contudo, a necessidade de pensarmos criticamente sobre a real utilização desses adjetivos e suas diferenciações frente às tecnologias educacionais? Veja o que o grande pensador da educação e educador brasileiro Paulo Freire diz a respeito da tecnologia na educação:


Como manifestação presente a experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Precisamente por que a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativa-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade com que podemos nos defender "irracionalismos" decorrentes do ou produzidos por certo excesso de "racionalidade" de nosso tempo altamente tecnologizado. E não vai nesta consideração nenhuma arrancada falsamente humanista de negação da tecnologia e da ciência. Pelo contrario é consideração de quem, de um lado, não diviniza a tecnologia, mas, de outro, não há diaboliza. De quem a olha ou mesmo a espreita de forma criticamente curiosa.(FREIRE, 1996)

Então evidencia-se a necessidade de se olhar a espreita e de forma critica e curiosa para a utilização desses termos frente a nossa realidade, principalmente a realidade tecnológico-educacional. Assim, fazermo-nos a seguinte pergunta:
o que é cooperar? Será que é o mesmo que propiciar a interação, a interatividade, a colaboração?

Referências

MATUI, Jiron. Construtivismo: Teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino. São Paulo: Moderna, 1995.

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. 160 p. (Coleção TRANS)

VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: ed. Martins Fontes, 1991.

MATURANA H. e VARELA, F., A árvore do conhecimento, Campinas, SP., Ed. PSY II,
1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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